Guerrilheiro Virtual

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Quem derreteu Russomanno foi a Cúria

Verbo do momento, “derreter” é a palavra-chave, o dernier cri em matéria de insights político-eleitorais. Começou a ser efetivamente usado em São Paulo a partir do anúncio das primeiras pesquisas de boca de urna, no início da noite do domingo (7/10). Serviu como uma luva para expressar o incrível encolhimento da candidatura até então imbatível de Celso Russomanno à prefeitura paulistana.
 
Quem acendeu o fogo e iniciou o derretimento de Russomanno foi o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, quando, em 19/9, alegou dificuldades de agenda para receber o candidato do blusão de couro. No domingo anterior (16/9), 300 paróquias paulistanas receberam um édito sobre o voto consciente com críticas veladas e nem-tão-veladas-assim ao postulante que havia semanas mantinha-se inabalável no topo das sondagens.
 
Pouco antes, recomeçara a circular nas mídias sociais um texto de maio de 2011, de autoria do bispo Marcos Pereira, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), presidente do PRB e chefe da campanha de Russomanno. Entre outras coisas, dizia o seguinte:
“Precisamos salvar o Brasil e torná-lo verdadeiramente laico, livre da influência da religião.”
A frase não contém qualquer blasfêmia ou heresia, poderia estar na boca de um antigo maçom, positivista, anarquista ou militante do laicismo. Relembrada naquelas circunstâncias, e com clara entonação beligerante, acionou os radares da hierarquia católica, antigamente designada como Cúria.
Naquele momento, tanto José Serra como Fernando Haddad afinal se animaram e começaram a bater no rival. Sem cancha, jogo de cintura e, sobretudo, sem o suporte de uma instituição com experiência milenar em matéria de poder, a candidatura Russomanno desmilinguiu e começou o inexorável caminho em direção ao brejo.
 
Fogo aceso
 
Estes são dados que não poderiam escapar à acuidade e experiência de nossos politólogos e opinionistas. Foram fartamente noticiados e, no entanto, permanecem no banco de reserva das interpretações porque a rivalidade – ou confrontação – religiosa é uma realidade no Brasil, mas está condenada a manter-se na sombra e enfurnada nos subterrâneos da notícia.
 
A mídia seria a única instituição capaz de revelar a existência desse conflito e alertar para os perigos de um acirramento. A mídia, porém, é parte dessa rivalidade (ou confrontação) e nesta terra do faz de conta não está autorizada a cair na real nem a criar um estresse capaz de potencializar outros, mais agudos.
 
Uma coisa não deve ser esquecida: o derretimento da candidatura Russomanno foi o primeiro. A fogueira – ou micro-ondas – está acesa.
 
Alberto Dines

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