Verbo do momento, “derreter” é a palavra-chave, o dernier cri em matéria de insights político-eleitorais.
Começou a ser efetivamente usado em São Paulo a partir do anúncio das
primeiras pesquisas de boca de urna, no início da noite do domingo
(7/10). Serviu como uma luva para expressar o incrível encolhimento da
candidatura até então imbatível de Celso Russomanno à prefeitura
paulistana.
Quem acendeu o fogo e iniciou o derretimento de Russomanno foi o
cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, quando, em 19/9,
alegou dificuldades de agenda para receber o candidato do blusão de
couro. No domingo anterior (16/9), 300 paróquias paulistanas receberam
um édito sobre o voto consciente com críticas veladas e
nem-tão-veladas-assim ao postulante que havia semanas mantinha-se
inabalável no topo das sondagens.
Pouco antes, recomeçara a circular nas mídias sociais um texto de maio
de 2011, de autoria do bispo Marcos Pereira, da Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), presidente do PRB e chefe da campanha de
Russomanno. Entre outras coisas, dizia o seguinte:
“Precisamos salvar o Brasil e torná-lo verdadeiramente laico, livre da influência da religião.”
A frase não contém qualquer blasfêmia ou heresia, poderia estar na boca
de um antigo maçom, positivista, anarquista ou militante do laicismo.
Relembrada naquelas circunstâncias, e com clara entonação beligerante,
acionou os radares da hierarquia católica, antigamente designada como
Cúria.
Naquele momento, tanto José Serra como Fernando Haddad afinal se
animaram e começaram a bater no rival. Sem cancha, jogo de cintura e,
sobretudo, sem o suporte de uma instituição com experiência milenar em
matéria de poder, a candidatura Russomanno desmilinguiu e começou o
inexorável caminho em direção ao brejo.
Fogo aceso
Estes são dados que não poderiam escapar à acuidade e experiência de
nossos politólogos e opinionistas. Foram fartamente noticiados e, no
entanto, permanecem no banco de reserva das interpretações porque a
rivalidade – ou confrontação – religiosa é uma realidade no Brasil, mas
está condenada a manter-se na sombra e enfurnada nos subterrâneos da
notícia.
A mídia seria a única instituição capaz de revelar a existência desse
conflito e alertar para os perigos de um acirramento. A mídia, porém, é
parte dessa rivalidade (ou confrontação) e nesta terra do faz de conta
não está autorizada a cair na real nem a criar um estresse capaz de
potencializar outros, mais agudos.
Uma coisa não deve ser esquecida: o derretimento da candidatura
Russomanno foi o primeiro. A fogueira – ou micro-ondas – está acesa.
Alberto Dines
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