Um dos pressupostos essenciais do noticiário econômico é a busca da
objetividade, e basta um pequeno desvio de método para que o resultado
seja jornalismo de qualidade discutível. O risco maior é sempre dos
diários, condicionados por um limite de tempo que nem sempre coincide
com a possibilidade de uma boa análise.
No entanto, nesta semana, uma revista de informações que
hipoteticamente tem mais tempo para elaborar seus conteúdos, e com isso
oferecer um produto mais denso aos seus leitores, produz o efeito
contrário. Em tom de profecia, a reportagem de capa de Época anuncia o apocalipse: “O eclipse do Brasil: A festa acabou. A economia empacou. O investidor fugiu. E agora?”
Acontece que a blague sobre o poema de Carlos Drummond de Andrade durou
poucos dias. Na edição de quinta-feira (28/2), o insuspeito Estado de S.Paulo
traz resultado de consulta a representantes do mercado financeiro e
outras fontes para afirmar exatamente o contrário: “Mercado prevê alta
de 3% no PIB em 2013, mas já há quem aposte em 4%”, diz o título no alto
da página.
A contradição evidente entre a notícia do Estadão e o cenário apocalíptico apresentado por Época
levaria o leitor distraído a considerar que, como tem mais tempo para a
apuração e análise dos dados, uma revista semanal estaria mais próxima
da verdade quanto aos fatos da economia. Mas uma leitura mais crítica
revela que a revista fez uma aposta errada, baseada em opiniões
comprometidas.
A reportagem de capa da revista Época se desmanchou no ar: já na
segunda-feira (25), portais noticiosos e sites especializados traziam
previsões de queda da inflação e retomada do crescimento; no dia
seguinte, a boa notícia era sobre a preservação dos índices de emprego;
na terça-feira, sinais de retomada de atividades na indústria; na
quarta, indicadores parciais do IBGE sobre o fraco desempenho da
economia em 2012 conviviam com previsões de mais crescimento para este
ano.
Na quinta-feira (28), a reportagem do Estadão sobre perspectivas otimistas para 2013 é complementada por registro da Folha de S.Paulo sobre o superávit mensal recorde nas contas públicas e reportagem do Globo,mostrando que os investimentos se recuperam nos dois primeiros meses do ano.
A besta do apocalipse
Qual teria sido a trajetória da ideia por trás da reportagem de Época?
Como a revista chegou à conclusão de que o Brasil estaria à beira do
abismo, com seu futuro comprometido por um “eclipse econômico”?
Contrariando a prática deste observador, de evitar a personalização da
análise da mídia, é preciso andar para trás e registrar que o autor da
reportagem, muito ativo nas redes sociais digitais, não faz questão de
parecer isento – pelo contrário, suas iniciativas e intervenções
demonstram claramente sua posição política, manifestamente em oposição
ao atual governo.
Diferente de outros repórteres e editores de economia, que em geral
preservam um perfil mais discreto, embora sempre críticos com relação à
condução da economia nacional, o autor da reportagem de Época é
um ruidoso militante no campo político. Tal característica não pode ser
condenada a priori, uma vez que o jornalista deve ser transparente em
suas escolhas, mas é de se questionar se esse ativismo não poderia
afetar a credibilidade do seu trabalho.
Vejamos, então, de onde o autor tirou a ideia de que o Brasil vai a pique.
Uma leitura cuidadosa da reportagem, aliada à análise de sua linguagem,
indica que ele tirou a conclusão que justifica a manchete ao manipular
opiniões muito marcadas por interesses específicos: suas fontes
centrais são, entre outros, o veterano investidor Mark Mobius, o
financista Armínio Fraga e o economista e diplomata Rubens Ricúpero.
De Mobius pode-se dizer que se trata de um investidor com apetite para
riscos em países emergentes, que em várias ocasiões se mostrou
contrariado com a decisão do governo brasileiro de desestimular o
ingresso de capital especulativo. Ricúpero e Fraga são carimbados como
ex-colaboradores do governo do PSDB.
Ainda assim, Mobius afirma na reportagem que “mesmo com a queda dos
juros e o IOF, os ganhos no Brasil continuam atraentes” e Armínio Fraga,
ex-presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso,
entende que o pessimismo de alguns investidores estrangeiros é
exagerado.
Dos demais entrevistados, como Carlos Langoni, também ex-presidente do
BC, e outros economistas e investidores, não saiu a palavra eclipse ou
outra justificativa para o catastrofismo que caracteriza a reportagem.
Não há, nas citações, razões para acreditar que a besta do apocalipse está solta. Tudo saiu direto da cabeça do repórter (José Fucs) para a capa de Época.
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