Desde que se tornou republicano e federalista, em 1889, o Brasil tem
alcançado avanços econômicos e sociais, mas ainda não foi capaz de
diminuir drasticamente as diferenças inter e intrarregionais. Permanecem
contrastes gritantes na provisão de bens e serviços públicos entre as
Regiões Norte e Nordeste, de um lado, e o Sul-Sudeste, de outro; assim
como ocorre com as capitais, se comparadas à maioria das cidades do
interior de cada Estado. Algumas soluções que parecem simples e óbvias -
numa visão técnica - continuam adormecidas, à espera de vontade
política e de uma visão de longo prazo de vários atores do federalismo
brasileiro.
Nossa Constituição manda que se levem em conta as desigualdades
regionais ao desenvolver políticas públicas. No entanto, o que o Estado
brasileiro diz (na Constituição) não é necessariamente o que faz na
hora de empregar recursos públicos. Nesse sentido, observa-se que a
despesa per capita é tradicionalmente menor nas Regiões Norte e
Nordeste, que compreendem os municípios e Estados que abrigam as
parcelas da população mais desassistidas ou carentes em termos da
provisão de direitos.
Teimosamente, insiste-se num viés inter-regional concentrador da ação
pública. Mesmo nas regiões mais ricas as políticas públicas beneficiam
as localidades que já estão relativamente mais bem equipadas para
garantir os mesmos benefícios aos cidadãos. Tal desequilíbrio
("assimetria", para usarmos o nome técnico) tem como consequência a
manutenção das desigualdades regionais.
O problema federativo brasileiro não está restrito somente à
distribuição ou alocação de recursos tributários entre os entes.
Trata-se de saber como esses recursos estão sendo gastos na provisão de
bens e serviços públicos à sociedade. A tese, empiricamente comprovada,
é de que o gasto público no Brasil tem servido para manter ou até
agravar as desigualdades inter e intrarregionais no País.
Como agravante, gasta-se dinheiro para alimentar um círculo vicioso em
que as grandes cidades, em especial as capitais, atraem pessoas e
sorvem recursos além da conta, o que contribui para tornar outras
cidades não apenas menores, mas inviáveis. As únicas exceções têm sido
as cidades localizadas, por sorte, em "corredores" de desenvolvimento.
Em geral, elas são ou estão se tornando localidades de porte médio.
Ao analisarmos os dados da Secretaria do Tesouro Nacional de 2000 e
2010, verificamos que a despesa per capita dos municípios com menos de
10 mil habitantes é semelhante (às vezes, superior) à de outros com mais
de 1 milhão de habitantes. Isso significa que os pequenos municípios
têm um custo de provisão de bens e serviços públicos muito alto,
comparável ao de grandes municípios. Ou seja, oferecer serviços públicos
adequados é proporcionalmente mais caro se o município for muito
grande ou muito pequeno.
Percebe-se, porém, que essa despesa média é decrescente, alcançando
níveis mínimos nos municípios entre 50 mil e 500 mil habitantes. Nessa
faixa populacional, o custo médio de provisão de bens e serviços
públicos atinge esse valor mínimo em razão da presença de economias de
escala para uma provisão mais eficiente, sem os problemas de que são
acometidos os aglomerados urbanos com concentração populacional
exagerada. Significa dizer que não deveríamos ter nem muitos municípios
nanicos, pois isso torna nosso federalismo muito caro, nem municípios
grandes demais, que se tornaram insustentáveis sob diversos aspectos.
Um sinal positivo e, por enquanto, alentador é o fato de que nesses
municípios de médio porte, justamente os de 50 mil a 500 mil habitantes,
que apresentam despesas per capita inferiores às dos pequenos e
grandes centros, podem estar se criando forças centrípetas (de
concentração) que, traduzindo, estão gerando economias de escala
maiores que os pequenos municípios e de forma mais eficiente que as das
grandes cidades. Os municípios de porte médio podem tornar-se
verdadeiros polos de bem-estar social ao prover bens públicos que
consigam diminuir um pouco a pressão exercida principalmente sobre as
capitais.
Numa perspectiva de médio e de longo prazos, caso houvesse uma
orientação do Estado brasileiro, ou seja, uma decisão conjunta e
harmônica entre os entes federal, estaduais e municipais, o ideal seria
fortalecer institucionalmente os arranjos federativos cooperativos
(conhecidos como consórcios públicos, mas que também podem ser
considerados enquanto regiões integradas para o desenvolvimento), com o
intuito claro de reduzir as despesas nos pequenos e nos grandes
municípios. Esses arranjos municipais poderiam receber mais recursos
públicos, para custeio e investimento, de modo a aproveitar sua escala
mais eficiente.
Em suma, o equilíbrio federativo é tencionado pelo enfrentamento das
heterogeneidades territoriais e das desigualdades regionais. A solução
passa principalmente por robustecer as instituições e os mecanismos de
coordenação e cooperação federativa. A conformação de acordos
interfederativos traz, implicitamente, uma abordagem territorial
orientada pelo desafio de ampliar nossas capacidades governativas para
prover bens e serviços públicos que reduzam as desigualdades regionais.
As médias cidades seriam um contraponto a muitos dos problemas do
federalismo brasileiro se fossem reposicionadas institucionalmente como
potenciais polos de desenvolvimento regional, do ponto de vista
econômico e social. Portanto, a solução para alguns de nossos graves
problemas pode estar a meio caminho, bem debaixo de nossos olhos. Como
diz o poeta, a lição sabemos de cor, só nos resta aprender.
Constantino Cronemberger Mendes e Antonio Lassance são técnicos de planejamento e pesquisa do IPEA
No Estadão
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