...nós temos certeza das roubalheiras que ele pratica através do seu famigerado IDP
Degradação do Judiciário
DALMO DE ABREU DALLARI
Nenhum Estado moderno pode ser
considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário
independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e
que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção,
assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos
constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos
órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei
do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista,
do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas
reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos
os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e
oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com
afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma
indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser
considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal
ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do
Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada
pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a
proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria
normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para
alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e
exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas
atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência
indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários
órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para
anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao
atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um
sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual
advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao
presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da
estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes
que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de
preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais
alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a
última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das
autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da
responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades
e corrupção.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada
Medidas desse tipo, propostas e
adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram
claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de
liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades
federais.
É importante assinalar que aquele alto
funcionário do Executivo especializou-se em "inventar" soluções
jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do
ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito.
Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que
pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro
da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas
indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF,
"inventaram" uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do
presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as
demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no
Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não
cumprissem decisões judiciais.
Indignado com essas derrotas
judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela
imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou
com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um
"manicômio judiciário".
Obviamente isso ofendeu gravemente a
todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou
claramente expresso em artigo publicado no "Informe", veículo de
divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107,
dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente
intitulado "Manicômio Judiciário" e assinado pelo presidente daquele
tribunal, observa-se que "não são decisões injustas que causam a
irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas
as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo".
E não faltaram injúrias aos advogados,
pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra
ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e
juízes, sócios na "indústria de liminares".
A par desse desrespeito pelas
instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista
"Época" (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União,
isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de
Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos
proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é
contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de
se enquadrar na "reputação ilibada", exigida pelo artigo 101 da
Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o
indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa
escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que
a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da
Constituição, seja apenas uma simulação ou "ação entre amigos". É assim
que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem
constitucional democrática.
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