O vazamento do voto de Barbosa joga mais luz sobre o
processo, que vem angustiando as partes envolvidas. Os advogados
deixaram claro que não questionarão o vazamento, já justificado pelo
relator. “Foi um erro visível da assessoria do ministro”
Se persiste alguma dúvida do rigor com que o relator da ação penal
470, ministro Joaquim Barbosa, pretende condenar os réus do “mensalão”, o
vazamento das penas definidas por ele para os condenados por lavagem de
dinheiro é suficiente para liquidá-la. A dosimetria de Barbosa, postada
por engano no site do Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta
(15), revela que, se dependesse apenas dele, até a funcionária “mequetrefe” Geiza Dias, inocentada pela maioria dos ministros da corte, cumpriria mais que o dobro da pena mínima.
A legislação vigente à época em que os crimes foram praticados previa
penas de três a 12 anos para lavagem, que poderiam ser aumentadas de um
a dois terços, em condições específicas, como a prevista no tipo penal
do crime continuado. Com base neste agravante, Barbosa fixou a pena de
Geiza em seis anos e 11 meses de prisão, pela sua participação em 46
operações de lavagem. O ministro previa também o pagamento de 38
dias/multa, no valor de um trinta avos do salário-mínimo por dia (cerca
de R$ 787), já que ela não possui nenhum bem.
Vazamento da dosimetria de Joaquim Barbosa revela rigor nas punições do mensalão. Foto: ABr
Geiza era a funcionária da agência de publicidade SMP&B, que
repassava ao Banco Rural, por e-mail, a relação de sacadores das
quantias remetidas pelo chamado “valerioduto”, o esquema montado pelos
sócios das agências de publicidade e dirigentes do Banco Rural para
dissimular a origem e destinação do dinheiro movimentado. Em 2003, no
ápice do funcionamento do esquema, seu salário era de R$ 1,5 mil. As
investigações não identificaram que ela tenha recebido quaisquer valores
ou vantagens decorrentes da sua participação. Tão pouco comprovaram que
tivesse ciência da origem ilícita do montante movimentado. Foi
inocentada por sete votos a três.
No caso do empresário Marcos Valério, apontado como o
operador do esquema, Barbosa majorou a pena para 12 anos e sete meses
de prisão em regime fechado, além de arbitrar 340 dias/multa, com o
valor diário de dez salários mínimos, ou cerca de R$ 2,1 milhões,
considerado compatível com o patrimônio de R$ 8 milhões, declarado por
ele à Receita. Segundo o voto vazado na internet, constam contra o réu
pelo menos onze ações penais, duas delas já com sentença condenatória em
primeira instância. “Por esta razão, considero que Marcos Valério
ostenta maus antecedentes”, justificou Barbosa. Além disso, o relator
aponta que o empresário liderava o chamado núcleo publicitário.
Já os sócios de Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, e o
advogado das agências deles, Rogério Tolentino, teriam que cumprir dez
anos em regime fechado, além de pagar 250 dias/multas, no mesmo valor da
de Valério (algo em torno de R$ 1,5 milhão). Pesa contra Hollerbach o
fato dele já ter sido condenado em uma ação de primeira instância,
responder outras três e possuir bens que somam R$ 1,4 milhão. Já Paz foi
condenado em duas, responde as mesmas outras três e possui patrimônio
declarado de R$ 1,5 milhão. Tolentino responde a três ações penais, já
foi condenado em uma e seu patrimônio é de R$ 2 milhões.
A mesma pena foi aplicada aos ex-dirigentes do Banco Rural,
Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, mas com
valores diferenciados para as multas diárias, em função do patrimônio de
cada um. No caso de Kátia, o valor diário da multa foi arbitrado em 15
salários mínimos, já que ela possui bens estimados em R$ 35 milhões. A
multa atribuída à Salgado foi de dez salários mínimos por dia e seu
patrimônio declarado é de R$ 1,8 milhões. No caso de Samarane, com
patrimônio de R$ 1 milhão, a multa diária também foi de dez salários
mínimos.
O voto, que parece inacabado, não esclarece se Samarane já foi
condenado ou responde outras ações. Já contra Kátia e Salgado pesaram os
maus antecedentes, independentemente do volume de ações em que são
réus: sete e 23, respectivamente.
A diretora financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, pegará sete
anos e sete meses em regime semi-aberto, e pagará 180 dias/multa, no
valor de cinco salários mínimos por dia, caso Barbosa mantenha a
dosimetria. Segundo ele, favorece a ré o fato de que ela atuou sob ordem
dos seus superiores, além de que ela não possui antecedentes criminais.
Sua multa é mais amena em função do seu patrimônio declarado, de R$ 750
mil.
“São penas muito duras, muito altas. Mas, pelo menos, não se pode
dizer que o ministro Joaquim Barbosa não está sendo coerente. Ele
realmente veio com o objetivo de condenar a todos”, afirmou o advogado
Hermes Guerreiro, que defende Ramon Hollerbach. “As penas de Barbosa são
mais altas que as do ex-ministro Cezar Peluso, um juiz de carreira.
Barbosa jogou todas no alto enquanto Peluso fixou no mínimo, na maioria
dos casos”, comparou o advogado Marcelo Leonardo, que defende Marcos
Valério.
Pelas regras definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
especificamente para o julgamento do “mensalão”, a chamada dosimetria da
pena só será feita no final de todo o processo, após os ministros
definirem se os 37 réus são culpados ou inocentes. Entretanto, como o
ministro Cezar Peluso se aposentou em 3/9, apresentou antecipadamente as
penas dos réus que havia julgado, na primeira etapa do julgamento, que
abordou a origem do dinheiro movimentado.
Agora, o vazamento do voto de Barbosa joga mais luz sobre o processo,
que vem angustiando as partes envolvidas. “Este julgamento fatiado é
desumano porque os réus sofrem mais a cada dia. Não se sabe nem a pena
de cada um já condenado. É uma situação anormal e que atrapalha não o
julgamento, mas a Justiça como um todo”, acrescentou Guerreiro.
Os advogados deixaram claro que não questionarão o vazamento, já
justificado pelo relator. “Foi um erro visível da assessoria do
ministro. Tinha pena prevista até para a Geiza Dias, que foi
inocentada”, justificou Leonardo. “Não acho que foi proposital. Foi um
erro mesmo. Aliás, é mais uma das muitas atipicidades deste julgamento”,
acrescentou Guerreiro.
Najla Passos, Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”