Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Os “drones” nos campos de matança

Sanguessugado do redecastorphoto

Pepe Escobar, Asia Times Online THE ROVING EYE

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Lord knows, I should’a been gone

Deus sabe, eu deveria ter ido

Lord knows, I should’a been gone

Deus sabe, eu deveria ter ido

And I wouldn’t’ve been here,

E não estaria aqui 

down on the killin’ floor

Por baixo, no campo de matança  

Howlin’Wolf [Lobo que uiva]*, Killing Floor**

Tão fácil como alguém, num cubículo no deserto de Nevada, aperta um botão e incinera uma festa de casamento de pashtuns no Waziristão Norte, agora, com um clique, qualquer um pode baixar um arquivo leve [359 KB], disponível no website Amazon por apenas $8,99 – frete wireless incluído – e aprender tudo que há para aprender sobre aviões-robôs comandados à distância. Tudo que seja “dronado” na escuridão, um dia virá à luz. [1]

O livro Terminator Planet: The First History of Drone Warfare, 2001-2050  [2] [Planeta Terminator: A primeira história da Guerra de Drones, 2001-2050] foi organizado e editado por Tom Engelhardt – editor e animador da página TomDispatch e “um tesouro nacional”, na correta avaliação do professor Juan Cole da Universidade de Michigan – e Nick Turse, editor-associado da página TomDispatch e autor de um estudo seminal, de 2008 – The Complex: How the Military Invades Our Everyday Lives [O Complexo: Como os militares invadem nossa vida diária] [3].

O novo livro recém-lançado reúne todo o trabalho de pesquisa de Tom e Nick revisado e atualizado, em que se detalha o universo hiperdistópico da DroneLândia ao longo dos últimos anos – e expõe-se tudo, das bases secretas do Império dos Drones às operações de “dronagem” ampla geral e irrestrita contra territórios estrangeiros; um exercício ao estilo de Philip Dick [4] sobre uma mais que plausível guerra massiva de drones contra a África Oriental em 2050; e um posfácio que leva o inimitavelmente perfeito título de “America as a Shining Drone Upon a Hill" [EUA, drone luminoso lançado contra uma colina] [5].Mas é muito melhor que qualquer ficção porque tudo, no livro de Turse e baseado em fatos e documentado.

Qual é o prato do dia? MQ-1 Predator ou MQ-9 Reaper?

MQ-9 Reaper

Esse arquivo digital que se pode comprar tornou-se ainda mais crucialmente importante, agora que a opinião pública nos EUA e no mundo já sabe que o presidente Barack Obama dos EUA é, diplomado, o Dronador-em-chefe; o Juízo Final; e o Grande Inquisidor digital por cujas mãos muçulmanos suspeitos (até agora, pelo menos, só muçulmanos suspeitos) alcançarão as virgens do Paraíso, via assassinato predefinido [orig. targeted assassination].


Obama tem sua própria lista de “gente a assassinar”, kill list, cheia de termos da novilíngua. Obama pode optar entre “ataque-personalidade” [“personality strike”] (mata só um suspeito) ou “ataque-assinatura" [“signature strike”] (mata todo o grupo). As “nominações” são examinadas por Obama e seu produtor-associado e czar do contraterrorismo, John Brennan. A lógica é extraída diretamente de Kafka: qualquer um que ande por perto de suposto “terrorista”, é “terrorista”. Só depois de morto se pode saber com certeza quem foi morto.

E o Óscar Humanitário de “Melhor Assassinato Predefinido sem Dano Colateral” vai para… o esquadrão da morte da Casa Branca de Barack Obama.

MQ-1 Predator

Predefinidos – e diluídos – nesse processo sinistro são também uma montanha de conceitos ultrapassados como soberania nacional, cláusulas e princípios pétreos da lei norte-americana e internacional e qualquer categoria que, até o colapso da União Soviética era usada para definir “guerra” e “paz”. De qualquer modo, essas categorias já começaram a ser diluídas durante o governo Bush – que “legalizou” as sessões de tortura e a ação dos esquadrões da morte da CIA e das “Operações Especiais” dos EUA, em todo o mundo.

Qualquer jurista que se dê ao respeito terá de extrair daí a conclusão inescapável: os EUA são hoje estado pária, que vive à margem da lei internacional, estado-bandido dos puros, com O Império dos Drones consagrado como expressão máxima da guerra de sombras.

Incinere os fiéis

Ler Terminator Planet evoca inevitavelmente o intercurso incestuoso entre Hollywood e o Pentágono. Ainda que se desconte a paranoia & piração que é marca registrada dos produtores e roteiristas de Hollywood, basta rodar outra vez as séries Robocop e Terminator para saber que a coisa pode terminar muito mal.

RQ-170 Sentinel

E ainda nem se falou sobre a Revolta dos Drones. Pelo menos até agora. Mas em 2010 já houve um aperitivo das sumarentas possibilidades nesse campo, quando um avião-robô comandado a distância modelo RQ-170 Sentinel foi pousado, mediante complexa operação de invasão de programas de computador, por iranianos, em solo do Irã; em seguida o drone Sentinel foi desconstruído e reconstruído – engenharia reversa –, para delícia de iranianos, russos e chineses. O Pentágono, histérico, negou que lhe tivessem passado a perna (digamos assim).

A ideia de que um Império de Drones venha algum dia a controlar o que o Pentágono chamava, antigamente, de “arco de instabilidade” entre o Oriente Médio e a Ásia Central – sob comando do Grande Petróleo – é risível.

Risível é, também a ideia de que um Império de Drones ativo no AfPak, Iêmen, Somália e logo em todos os pontos do “arco de instabilidade” salve a mãe-pátria, da Jihad, da Lei da Xaria, de um novo Califato implantado por fanáticos e todas as anteriores.

Especialmente agora, quando o próprio Pentágono já embarcou na nova retórica – e está focado no movimento “de pivô” para encarar o potencial concorrente-parceiro que realmente conta, a China.

E as brigadas do Exército dos EUA (e commandos das Operações Especiais), de 2013 em diante, farão rodízio pelo mundo – com ênfase na África – segundo um conceito pentagonês de “força regionalmente alinhada”.

RQ-4 Global Hawk

E o ComandoSul [orig. Southcom] anunciou que os drones Predator, Reaper e Global Hawk serão alocados na América do Sul e Central para “operações antidroga, de contraguerrilha e de vigilância naval”.

O Império dos Drones tem de ser global, mas os drones só são efetivos, se a inteligência em campo for efetiva. Basta um exemplo simples. De fato, no AfPak, não é Obama quem decide sobre sua lista de “gente a assassinar”. Quem decide é o serviço secreto do Paquistão, ISI – que fornece à CIA a informação que mais corresponde às suas próprias contingências. E, isso, enquanto o Pentágono e a CIA continuam a operar sob a ilusão galáctica da absoluta supremacia da tecnologia norte-americana – mesmo que não consigam neutralizar, sequer, uma inflação de “Dispositivos Explosivos Improvisados” [Improvised Explosive Devices, IED], de tecnologia ultrabaixa.

Tio Sam quer ferrar you!

Os norte-americanos também devem preocupar-se com o Império de Drones Interno – agora que o dolorosamente impopular Congresso dos EUA e o presidente Obama já deram plena autorização para a “integração” dos drones no espaço aéreo dos EUA, até 2015; em 2020, já serão, no mínimo 30 mil. No momento, o Pentágono tem “apenas” 7.000 drones (há dez anos, não chegavam a 50).

Deve-se supor que tenha havido pressão massiva pelo lobby das empresas fabricantes de drones, como a General Atomics, para a aprovação das novas leis. Há até uma bancada [orig. caucus] “dronista” no Congresso, de 55 congressistas (e crescendo), e um lobby global constituído de 507 empresas em 55 países: a Associação Internacional para Promoção de Veículos Não Tripulados [orig. Association for Unmanned Vehicles International] – que, na essência, dita as regras.

Os sobretons orwellianos – e à Philip Dick – são visíveis: trata-se de vigilância 24 horas por dia, sete dias por semana, sobre vastas porções da população dos EUA, via radar, câmeras de infravermelho, imagens térmicas, “farejadores” sem fio e, crucialmente importantes, armas para controle de tumultos urbanos. Melhor sempre examinar cuidadosamente os céus, cada vez que pensar em sair de casa para protestar nas ruas. E podem esperar: em breve aí estarão os drones movidos a energia nuclear, que podem permanecer vários meses sem pousar; meses, não apenas dias.

O arquivo digital assinado por Tom e Nick é leitura absolutamente necessária e essencial para contextualizar o processo pelo qual se vai delineando um estado de vigilância que já existe de fato, no qual todos são suspeitos por definição, e o único “vencedor” é o complexo militar-industrial. De Motown  [6], cidade-motor, chegamos a Dronetown, cidade-drone:

Nowhere to run to, baby, nowhere to hide…[7] [Não há para onde fugir, baby, não há onde se esconder..]
Que tal Obama & as Dronellas [8]?

Notas de rodapé
 
*Sobre o blueseiro de Chicago [1910-1976], categoria máster, ver em: Howlin' Wolf

** Ouve-se, com letra e tradução (ruim) em: Killing Floor

Notas dos tradutores

[1] Há aí um rico jogo de palavras, quase completamente intraduzível, entre All things done [“O que é feito”/”O que alguém faz”] e All things drone” [alguma coisa próxima de “Tudo que é dronado”]. A primeira expressão é parte de uma frase bíblica muito citada, que aparece em Isaías 29:15 (“Ai dos que tentam esconder do Senhor Deus o que fazem, as maldades que praticam na escuridão e dizem: “Ninguém nos pode ver! Ninguém sabe o que estamos fazendo!”). A frase, em inglês, cria um eco semântico muito produtivo com os versos da epígrafe: “Deus sabe”/”Deus sabe”. A tradução que oferecemos é uma, dentre várias possíveis, e pode ser melhorada. Todos os comentários e correções são bem-vindos.


[3] TURSE, Nick, The Complex: How the Military Invades Our Everyday Lives, New York: Henry Holt and Company, 2008, 304 pp. Páginas. Em THE IRON TRIANGLE, lê-se o primeiro capítulo.

[4] Philip Dick [1928-1982], contista e romancista norte-americano, autor dos livros que deram origem aos filmes Blade Runner, Caçador de Andróides (1982) e Minority Report - A Nova Lei (2002), dentre outros.

[5] Outra vez, jogo de palavras quase intraduzível entre Shinning city on a Hill [cidade brilhante pousada sobre numa colina] e Shining Drone Upon a Hill [drone brilhante sobrevoando uma colina]. A primeira expressão está, para a história dos EUA, pode-se dizer, como “Independência ou Morte” está para a história do Brasil: como expressão fundacional, desde antes de os primeiros puritanos ingleses atracarem na Nova Inglaterra. Apareceu num sermão feito a bordo do navio Arbella, em que o pastor Winthrop leu para os companheiros de aventura um trecho de Mateus 5:14-15, com o qual o pastor articulou sua visão do que seria a colônia puritana no Novo Mundo, “uma cidade brilhante pousada numa colina”, que serviria de exemplo para o mundo, de sociedade realmente governada por deus. Para vários historiadores, variações secularizadas dessa utopia religiosa puritana europeia, que está na origem da sociedade e da história dos EUA, contribuem para alimentar o mito do excepcionalismo norte-americano – a diferenciação e uma almejada superioridade em relação à sociedade inglesa da qual saíram os Pais Fundadores. Nos anos 1980s, imediatamente depois da Guerra do Vietnã, o presidente Ronald Reagan empreendeu várias campanhas de propaganda, tentando reintroduzir, nos discursos políticos, a imagem dos EUA como “cidade luminosa pousada sobre uma colina” Mais informações ver: “CITY ON A HILL”, em inglês. 

[6] Motown é redução da expressão “motor town” [cidade-motor/“cidade dormitório”], Chicago. Deu nome a uma gravadora, Motown Records, fundada na cidade, em 1959. 

[7] É título e verso de Now here to hide [Não há lugar para esconder-se], gravado por Martha Reeves & The Vandellas. A gravação está incluída no vol. 1 de “Motown Singles Collection 1959-1971” [singles lançados pela gravadora Motown naquele período], de 1992. Pode ser ouvida a seguir: 

[8] Trocadilho com o nome do conjunto de cantoras que acompanhava Martha Reeves [as Vandellas]. Ver nota [7].

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